Inicia-se a contagem decrescente.
Segundos depois, a aceleração brutal cola-me ao assento. Quantos G? Não sei ao certo.
Parto sem saber muito bem como será o regresso. A nave é velha, reparada à última da hora para esta missão com painéis isoladores colocados de forma apressada. Quase apostaria que os fixaram com agrafos e fita-cola em vez dos rebites de liga de titânio necessários - isso levaria muito mais horas do que as usadas.
O tempo passa silencioso. Trauteio entredentes uma canção cujo nome não recordo.
Larguei o satélite na órbita prevista e vou agora entregar os abastecimentos urgentes à Estação Espacial.
Um alarme na consola. Já o esperava. Desligo o audio e fica uma luz laranja piscando como que frustrada.
Contentores entregues na doca. O que raio estaria ali de tão importante?
São agora duas as luzes que piscam alternadamente, dando à cabine um aspecto lúgubre de discoteca de província em noite de futebolada na TV.
Mais algumas horas. Aproxima-se a reentrada e as luzes passam a vermelho.
Tenho pena de não ter conseguido falar contigo antes de partir. Não deixei mensagem no voicemail, sei que nunca as ouves. Volto a trautear a mesma canção e desta vez reconheço-a: David Bowie. Adequado, não te parece?
Do intercom saem vozes histéricas. Desligo-o, não me apetece ouvi-los. Sei melhor do que eles o que se passa. Pela pequena vigia de plexiglass na comporta vislumbrei um pedaço de painel afastando-se lentamente a gravidade zero. Bem me parecia que os agrafos não aguentariam ...
Se olhares para o céu verás a minha despedida, vazia de beijos mas plena de luz.
Esta noite serei uma estrela.