Olá,
um pequeno toca e foge para vos mostrar o meu primeiro trabalho no âmbito do curso de Escrita Criativa organizado pelo El Corte Inglês.
Objectivo: Escrever 1800 caracteres com o tema "Porque gostei de ler este livro". Dei-lhe um pequeno twist e saiu isto:
Livro: O Principezinho
Autor: Antoine de Saint-Exupéry
Porque gostarei de ler este livro
Tenho na cabeça uma gaveta para este livro. Aproveitei a deixa e abri-a. Uma confusão de resquícios e fragmentos de memórias adormecidos por debaixo de uma manta de pó amnésico. Pus mãos à obra, despejei a gaveta e reli-o num virar de páginas apressado. Lamentavelmente, já não me surpreendeu. Conheço-lhe os intuitos. Tristemente, não me tocou. Formataram-me para lhe ser imune. Estranhamente, não me inundou o cérebro de ideias e vontades. As minhas vivências tornaram-me estanque e limitado. Abro a gaveta lentamente. Uma. Duas. Três vezes. Sempre o mesmo resultado. Tudo ordenado mas sem brilho. Tudo categorizado mas sem magia. Tudo no devido lugar para nunca mais ganhar emoções, apenas pó. Afasto-me, frustado. O peso das correntes não me deixa ir muito longe. A frustração dá lugar à raiva e num momento irreflectido, como já há poucos, abro novamente a gaveta. Desta vez de rompante! Tudo chocalha. Tudo bate contra tudo. O elefante rompe a barriga da cobra. A raposa ganha um galo contra a parede da gaveta e os pequenos planetas chocam entre si num Big Bang de proporções intersticialmente inimagináveis. Há algo de libertador no meio do caos e vejo-me, momentaneamente, sem barreiras. Imagino-me num quarto. As paredes de um azul límpido que fariam inveja a muitos dos céus cinzentos que normalmente nos tapam as cabeças. Das estantes espreitam-me mil estórias reinventadas todos os dias. O cheiro a pinho, que exala da mobília, rejuvenesce-me. Estou sentado numa cama, fofa demais para ser minha pois a coluna, dobrada pelos anos, já pede por leitos mais duros do que este. Ao meu lado, sinto uma pequena forma, encimada por um tufo de caracóis castanhos que pululam num campo fértil de ideias, sonhos e emoções. Oiço a minha voz a elevar-se do livro que tenho sobre o colo:
Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda não me cativaram.
Sou interrompido sem contemplações:
"Papá, o que é cativar?"
Demoradamente, a tirar prazer de cada palavra, de cada sílaba e de cada respiração, respondo. Rego aquelas ideias e sonhos que nascem livremente e parecem nunca parar de crescer. Mas na verdade sei que irão parar. Por isso fecho os olhos e leio. Conto de cor aquilo que já esqueci e guardo tudo numa gaveta partilhada que brilha com a intensidade de mil sóis reflectidos na farta e irrequieta cabeleira loira de um Principezinho.