Sexta-feira à noite. A música toca alto nas colunas. As vozes gritam, tentando sobrepor-se aos decibéis que debitam música de dança, música brasileira, música pop desta década e da década de 80. É uma tentativa inglória. São 2:15 da manhã. O fumo dos cigarros intoxica o ar. Estou sentado numa cadeira alta, em frente a uma mesa alta e sinto-me tão pequeno. Os olhos de quem me rodeia estão raiados de vermelho, e embora em alguns casos isso se deva a excessiva concentração de fumo, na maioria o culpado é o éter e o seu calor, que aquece às veias e amortiza a dor. Um amigo diz qualquer coisa que não percebo e eu rio-me e digo que sim, que ele é mesmo assim. Não sei de quem estou a falar, mas tão pouco ele me percebe e limita-se a acenar, rindo-se também.
Saio do bar e vou a rua, fumar um cigarro. Vejo copos de plástico no chão e vejo corpos de plástico em pé, segurando outros copos de plástico. Dou uma passa no cigarro e aspiro o fumo, sinto todo aquele lixo invadir-me e fico feliz, relaxado, num estado semi-orgásmico. Sinto que a qualquer momento posso desmaiar e até desejo que isso aconteça, quanto mais não fosse pelo prazer de ir para o hospital levar soro. O soro é, na sua essência, a droga mais agradável que podemos utilizar. Acabo de fumar e atiro a beata para o chão e esmago o resto do cigarro com o pé.
Estou cá fora sozinho, sem saber bem o que fazer, quando tu passas. Sabia que te ia encontrar, e embora isso me deixe deprimido, fico feliz por te ver. É impressionante a forma como te destacas na multidão de corpos vazios. Como se um halo te envolvesse e fosses uma espécie de anjo, pronta a redimir-me de todos os meus pecados. Mas não és. És antes uma espécie de droga, uma droga sem os efeitos agradáveis e saudáveis do soro. A ressaca que sinto neste momento, mesmo com toda esta distância que nos separa, é insuportável.
Olho para ti e sonho ser aquilo que gostava de ser, desejo loucamente ser o animal de que tantas vezes falei, anseio pelo louco sem sentimentos de que tantas vezes me mascaro. Olho para ti e desejo ardentemente pelo dia em não passarei de uma memória. Olho para ti e fumo outro cigarro e vou-me embora.
Oh meus deus, porque é que não bebi aquela garrafa de whisky.