annawen wrote:No filme "The Prevert's Guide to Cinema", Zizek, referindo-se a uma determinada sequência de "Psico", associa o super-ego ao Id. Diz ele: "Super-ego and Id are deeply connected."
Eu vejo essa ligação no filme precisamente na sequência em que ela dá à luz outro filho e o lambe. Sendo ela uma representação do super-ego, até do "maternal super-ego" (como fica provado nos telefonemas que ela faz para casa do marido, o segundo bastante agressivo), e as criaturas manifestações do Id, isto é, dos reprimidos. Para mim esse gesto mostra a ligação profunda que existe entre o Super-ego e o Id. Não vejo o gesto de Nola como um gesto de amor, empatia ou instinto protector. Vejo como a prova da obscenidade que se esconde na autoridade do Super-ego, obscenidade essa que o liga ao Id. Penso que essa cena foi apresentada para causar repulsa no espectador. Isto é, o espectador encara a cena como o marido dela. Com nojo e repulsa. Pelo menos foi assim que eu a encarei. Escusado será dizer que a Nola aí já não é mais humana. Eu, pelo menos, já não a vejo como humana. Nem ela própria se considera, uma vez que ela percebe que o marido lhe está a mentir. E mostra-lhe o corpo precisamente para o confrontar com a realidade.
Eis o que Zizek diz em relação ao super-ego e ao Id: "Super-ego and Id are deeply connected. Super-ego is not an ethical agency. Super-ego is an obscene agency, bombarding us with impossible orders. Laughing at us when, of course, we cannot never fulfill its demand. The more we obey it, the more it makes us guilty. There is always some aspect of an obscene madman in the agency of the super-ego."
Vou tentar explicar melhor. A Nola criou as criaturas inconscientemente. Elas são filhas do trauma (e aqui, para mim, o trauma é a mãe, claramente). Ela reprimiu durante anos a raiva que sentia pela mãe, e a terapia fez com que essa energia negativa viesse à tona sob a forma de monstros (são o Id, ou representantes do Id) "The shape of Rage" como diz o livro que foi escrito (acabei de confirmar) pelo psiquiatra Raglan. Mas os monstros agem de acordo com os desejos dela, transformam os desejos em acção (matam aqueles que ela odeia). Portanto ela tem o controlo, inconsciente no início, mas progressivamente mais consciente. Então ela assume dois papéis: por um lado, dá vida aos desejos reprimidos = Id, por outro, ela tem o controlo desses desejos (eles não se revoltam contra ela, mas sim contra os outros. Como vingança, como reprimenda) = super-ego. A cena em que ela lambe o "filho" une estas duas entidades: a entidade fruto do reprimido, e a entidade que está em controlo. E ao mostrar essa junção, o Cronenberg mostra aquilo que Zizek chama de obscenidade do super-ego. Isto é, a entidade que controla as nossas acções (as acções do Ego), que reprime os nossos desejos, que nos ameaça com a culpa, não é nenhuma força moral, no sentido de ética, isso é só um disfarce. É sim uma força poderosa feita, ela própria, de desejos reprimidos. A obscenidade, de que o Zizek fala e que o Cronenberg mostra visualmente, é precisamente esse disfarce. Essa hipocrisia. Pelo menos eu percebi assim o que Zizek quis dizer. Mas é só uma interpretação.
Depois da segunda visualização tudo isto se tornou muito claro para mim. Como também já ia preparado com estes teus textos, não custou muito apanhar as ideias. A dualidade a que se prestam as criaturas, sobretudo, como 1) seres gerados a partir dos impulsos reprimidos e 2) instrumentos controlados (ainda que pelo sub-consciente) de vingança, é bastante evidente.
Deste ponto de vista, não tenho nada a apontar à junção que depois fazes entre estas duas vertentes, no elo que liga o ID e o Super-ego.
Contudo tenho alguma dificuldade em aceitar esta parte:
Escusado será dizer que a Nola aí já não é mais humana. Eu, pelo menos, já não a vejo como humana. Nem ela própria se considera, uma vez que ela percebe que o marido lhe está a mentir. E mostra-lhe o corpo precisamente para o confrontar com a realidade.
Não sei se ela se considera humana ou não; sei que ela está consciente de que mudou e de que a vida dela passou para uma outra fase (é diálogo dela). Mas só se apercebe de que o marido está a mentir
depois de lhe revelar as mutações, e devido à cara de repulsa que ele faz. Até esse momento ela aceita a conversa dele muito bem. Ela mostra-lhe o corpo porque é convencida por ele de que está disposto a ficar com ela, sejam quais forem as alterações que ela tenha sofrido. Claro que ele não está à espera de ver a aberração física em que ela se tornou e é nesse momento que não consegue aguentar o "disfarce".