
Prólogo
Era uma vez, há muito tempo atrás, um mundo diferente deste que hoje conhecemos. Aí habitava uma miríade de seres que já não existem, extintos com o passar nefasto dos anos, com o evoluir da mente humana, perdidos no tempo.
Entre essas criaturas encontravam-se algumas a que chamavam “mágicas”. Eram ditas como sagradas e amaldiçoadas, seres do Bem e seres do Mal, apesar de muitos acreditarem que era fraca a sua capacidade para distinguir entre esses dois opostos gladiadores. Acreditava-se que se regiam por estados de humor, por sentimentos que várias vezes tinham uma definição diferente daquela muito estrita que os humanos atribuíam com todas as suas certezas muito egocêntricas.
Mas afastamo-nos do pretendido. Não estamos aqui para conversar sobre a Humanidade, apesar de esta ter um papel muitíssimo importante. Reunimo-nos em redor destas páginas para falar dos Outros que um dia compartilharam este mundo com ela, antes de desaparecerem sem deixar rasto.
Bem, apanharam-me numa mentira. Na verdade, eles deixaram algumas pistas, caso contrário nunca saberíamos da sua existência. Esses indícios são as lendas, os mitos, os contos e todas as histórias mais estranhas que se contam em sussurros ou a cantar, em poesia ou prosa. Porém, é desejo imperativo da maioria que esses sejam relegados para o mundo da imaginação. Muitos dos olhos que me estão agora a ler, fazem exactamente o mesmo – não acreditam – e é esse o maior erro, o assassino que rouba o canto às sereias, que corta as asas às fadas, que seca as florestas dos elfos, que desmorona os túneis dos gnomos. Sim, porque são essas as criaturas mágicas em questão que foram esquecidas pela realidade, extintas dos nossos jardins. Por vezes, ainda aparece alguém que afirma a pés juntos ter visto uma criatura encantada, mas essa pessoa é completamente doida. Ou será que não é?
Independentemente daquilo que se vê, ou não, existe outra particularidade importante que muitos denominam por “crença”. É uma palavra traiçoeira, com mais gumes do que uma espada, mais espinhos do que uma roseira. E existem fadas que nascem de rosas, sabiam? E fadas com espinhos e espinhos mágicos que servem para poções… bem, esqueçam o que acabaram de ler, estas palavras não fazem parte da história. Como estava a dizer, a crença é como uma semente. E o que é que se faz com as sementes? Guardam-se, plantam-se, comem-se… não falaremos aqui daqueles que guardam a crença, prendendo-a na sua mente como a uma ave impedida de voar, nem daqueles que se alimentam dela transformando-a num espectro do que foi. Falemos somente daqueles que a plantam. De entre esse grupo de plantadores, existem aqueles que fazem exactamente só isso: escavam um buraco, atiram a crença lá para dentro, e esperam que dê frutos; e existem aqueles que dão um passo para lá desse, um passo tão importante que moveria montanhas se fosse de gigante – alimentam a crença, cuidam dela para que possa florir saudável. Todos os bebés precisam de um empurrãozinho, no final de contas. Apesar de tudo, as dificuldades continuam a existir, e haverá sempre alguém que tentará murchar essa planta, arrancá-la pela raiz, pisá-la para que não volte a florir, queimá-la como se fosse uma erva daninha.
Foi isso mesmo que fizeram com as criaturas míticas (não referirei o perpetuador de tais vilezas), ao ponto de nos deixarem somente as suas histórias. Histórias que são sementes e que aguardam ser regadas por sonhos. Não aqueles sonhos diários que nos acompanham durante a noite, mas os outros, os que desejamos tornar realidade.