Olhas-me como o inimigo que sou e sinto o teu desprezo como uma vergasta na pele. A frieza do teu olhar cor de céu é um aço acerado que me corta o coração. Sufoco na indignação patente no teu andar dolorido. E vingo-me de ti, torturando-te, macerando-te. Enterro-te vivo para desfazer nessa beleza, torná-la uma máscara sanguinolenta que me permita esquecer-te. Não consigo. Inútil estupidez. Os teus olhos, vez e vez, me assombram nos momentos esquecidos da noite fétida, exangue, neste local de calvário.
Vestimos cores proibidas. És a liberdade e eu a cadeia. Somos inimigos mas seríamos amantes, talvez. Noutro tempo, noutro local. Quem sabe? Tu e eu, eu e tu. O mundo lá fora e o mundo todo cá dentro.
Somos a gaivota e o vento, ela precisa de ti e tu pensas que vives sem ela. E no entanto é o adejar das asas dela que te dá forma e substância. Isso não compreendes ou não queres compreender. Ignoras-me como se fosse eu pluma empurrada em brisa indolente, sem rumo definido. O meu amor proibido extingue-se na modorra da tua indiferença. Resta-me punir-te. Castigando-te na carne sinto a farpa cá dentro e serei também eu o castigado. Estranha forma de amar. Estranha retribuição. Quisera eu ser outro que no entanto não sou. Foges-me derradeiramente, morres e deixas-me vivo.
Não há viver sem amor, nem amar sem dor. Há quem viva sem dor?
Inspirado em imagens de Nagisa Oshima para o filme Merry Christmas Mr. Lawrence.