Thanatos recebeu o sms de pco69 no momento em que entrava no metro dos Restauradores. Intrigado sobre que tipo de assunto levaria o outro a mandar-lhe uma sms quando estavam meses sem falar parou o tempo suficiente para a ler e soltando uma sonora gargalhada após a leitura continuou a marcha em direção às escadas rolantes. Sem dúvida que pco69 tinha um grande problema primeiro-mundista. Fosse como fosse gostava do estilo do homem e ia massajar-lhe o ego congratulando-o pelo achado. Quem sabe talvez acabasse até por arranjar um espaço na agenda para passar lá por casa dele para poder soltar os devidos e ritualísticos sons de apreciação quando colocado de frente para a coleção. Respondeu ao sms e passados cinco minutos, já no metro a caminho de Alvalade, esqueceu o que escrevera. Tinha outras preocupações. Algumas com nomes quase impronunciáveis.
Entre Alvalade a a Quinta das Conchas existe um antigo solar de aspeto decrépito e abandonado. De fora qualquer um diria ser um solar devoluto, quiçá deixado de herança a herdeiros demasiado ocupados com a sua vida pessoal ou demasiado antagónicos entre si para se preocuparem em lhe restabelecer o brilho de outras épocas. Mas na verdade quem passasse o velho portão ferrugento, subisse a pequena alameda coberta de ervas daninhas e folhas mortas e batesse com o batente velho mas ainda sólido de metal preso por um espigão à porta de madeira carcomida mas ainda sólida seria surpreendido com o som de passos no interior do hall de receção e pelo entreabrir cauteloso da velha porta. Um par de olhos perscrutá-lo-iam e caso à senha fosse dada a contra-senha seria admitido no interior. Caso fosse um mero passante sem conhecimento dos códigos de entrada a sorte seria bem mais diversa. Mas, felizmente, Thanatos era habituée do solar e dos poucos privilegiados com o conhecimento íntimo de todos os códigos pelo que a entrada sempre lhe fora franqueada. Subiu sem delongas ao andar superior onde mantinha o quarto. Do Conselho só lá devia estar o Samwise e o sorumbático Archie. Quase apostava que o ostrogodo das mezinhas e elixires com aquele nome que não lembrava ao Diabo lhes andava a arrastar a asinha a ver se os convencia a passarem a Conselho dos Nove. Pois! Boa sorte, urukai duma figa.
Despertou o macbook e imergiu num mundo só seu contando aventuras e desventuras duma série de pessoas que se encontravam ocasionalmente e que partilhavam todas uma paixão, que por acaso também era a sua. Os livros. Seguia a máxima de escrever sobre aquilo que sabia ou conhecia e até hoje nunca se dera mal. Os contos, embora longe de obras-primas da ficção, não deixavam de aparecer regularmente em antologias, revistas e coletâneas. Era uma boa segunda vida.
Devagar, muito devagar, o ritmo dos dedos no teclado lento e suave como um amante a percorrer as linhas do corpo do seu amor, dedilhou uma porta num outro mundo além deste. Um mundo onde desapareceu por umas horas até que o cair da noite o forçou a parar. Guardou o documento colocou o mac em sleep e saiu para o corredor onde já o aguardavam os outros. Tal como esperava urukai seguia de perto Archie, Gokuu e Samwise. Sempre fora um lambe-botas aquele alquimista de bolso. Mas tinha de reconhecer que os seus talentos para poções e elixires era inultrapassável. Havia sapos que um gajo tinha de engolir. Acenou aos outros sete do Conselho e sem palavras trocadas desceram em grupo até ao salão onde desde tempos imemoriais ocorriam as reuniões.
A primeira coisa em que Thanatos reparou quando entrou no salão foi que já alguém ocupava um lugar à mesa. Era-lhe desconhecida a figura mas do que conseguia ver na penumbra viu que tinha formas femininas. Assim que entraram o criado que horas antes lhe abrira a porta correu as grossas cortinas ocultando as janelas e de isqueiro na mão acendeu os vários bicos de gás que se espaçavam de metros em metros ao longo das paredes. À luz trémula e amarelada conseguiu finalmente discernir as feições da estranha. Era uma jovem entre os seus 20 e poucos, talvez 25 anos, magra de cara e corpo embora de busto farto o que de certa forma lhe dava uma desproporcionalidade charmosa mas seria exagero dizer que era bonita. Antes afetava uma beleza muda. Os seus olhares cruzaram-se e um relampejo de reconhecimento cruzou-lhe as feições o que desconcertou Thanatos que tinha a certeza absoluta de nunca a ter visto antes mas era-lhe impossível ignorar que o mesmo não pensava a rapariga.
Sentaram-se nas posições protocolares habituais. Archie à cabeça da mesa semi-oval. Gokuu logo à sua direita e Samwise à esquerda, seguido por Thanatos, Cerridwen, acrisalves, Lady Entropy e grayfox. Urukai ficou de pé por detrás do cadeirão de Samwise, a sua posição favorita. Thanatos achava que decerto dali pensava que alguma da importância dos membros mais antigos do Conselho se esfregaria nele e por osmose poderia afetá-lo. Enfim.
A disposição protocolar dos Oito fez, se por acaso, se por premeditação não saberia dizer, com que ficasse de frente para a estranha rapariga. Thanatos que há muitos lustros que deixara de se preocupar indevidamente com a etiqueta demorou o olhar nas formas avantajadas do busto e tentou tirar alguma memória daquele rosto mas foi debalde. No entanto, facto curioso, notou que a rapariga também o observava algo despudoradamente e com um semi sorriso que noutra situação poderia ser interpretado como tendo segundas intenções.
Archie deu início à reunião com a oração de Holbrook: Not more of Light I ask, O God, /But eyes to see what is; /Not sweeter songs, but ears to hear /The present melodies. /Not more of strength, but how to use /The power that I possess; /Not more of love, but skill to turn /A frown to a caress. /Not more of joy, but how to feel Its kindling presence near, /To give to others all I have /Of courage and of cheer. /No other gifts, dear God, I ask, /But only sense to see /How best those precious gifts to use /Thou hast bestowed on me. /Give me all fears to dominate, /All holy joys to know; /To be the friend I wish to be, /To speak the truth I know. /To love the pure, to seek the good, /To lift with all my might /All souls to dwell in harmony, /In freedom's perfect light.
Continua...