A vagarosa indiferença das ondas sobressaltava-se sobre os seixos espelhados da praia. Ao longe, onde o fio do horizonte marcava os reinos da água e do ar, pequenas figuras volteavam em sarabanda incansável. Eram centenas de minúsculos pontos que traçavam trajectos em linhas invisíveis, seguindo rotas imaginárias, percorrendo trilhos ilusórios. E atrás dos minúsculos pontos uma sombra se agigantava cobrindo com manto de breu a esfera celeste e trazendo a notícia de mais um fim de dia.
Ele ali estava. Sozinho e imerso no mundo particular dos solitários. Sentado sobre os seixos, pouco acima da linha de rebentação, sentia o derradeiro toque do Phebus na pele e acariciava esquecidamente a textura lisa dos seixos castanhos. De vez em vez erguia o olhar para a sarabanda distante, mas logo tornava a fixar-se no ponto pouco à frente dos pés. O mundo solitário era um convite à reflexão, mas ele não meditava. Nem tão pouco reflectia. Apenas estava. Ali e sozinho. Esperando nem ele bem sabia o quê. Mas enquanto esperava a alma esvaziava-se da dor dos últimos dias e tudo lhe parecia sereno. Calmo, pardacento, sem mágoa nem rancor. Já tudo tinha sido decidido e os laços tinham sido cortados, definitivamente. E agora ali estava ele sozinho. Tal como ele imaginara que seria. E portanto tudo tinha ido de encontro aos desejos antigos. A insustentável ambição de ser dono de si. De não ter a quem nada dizer. Dono das horas e dos locais.
Então porque, naquele momento em que o ar e o mar são engolidos na vítrea penumbra, se sentia ele tão triste?
R. Loureiro, 2005-04-11