Tão simples e paradoxalmente tão complicado.
Como gerir as emoções? Como explicar a ela o que ele sentia? O peso amargurado de mais um dia como uma âncora que teimava em o afundar no mar das incertezas.
E contudo.
Bastava uma palavra.
Ou talvez duas, ou três.
De cada vez que o Messenger piscava era como se o coração sofresse aquele aperto. Ali estava. Era agora. Só que nunca era agora. Nem depois. Nem amanhã. Arrastava-se de conversa inconsequente em conversa inconsequente. Como gerir o turbilhão em que se consumia?
Tentou cortar.
Esquecer.
Ignorar.
Passar ao lado.
Mas sempre retraçava os passos de volta. E via-se naquela noite, a chuva escorrendo do cabelo, observando intensamente a luzinha na janela do andar de cima, tremendo não do frio e da intempérie, mas da raiva e da comoção. E via-se a voltar costas. Um pouco mais morto, um pouco mais vazio.
E depois arranjara um pretexto. Um qualquer. Não tinha importância. Conseguira restabelecer a comunicação. Insonsa. Sem cometimentos. Sem nada. Mas sempre o mar das incertezas que teimava em o afundar. Em o reclamar novamente para o precipício. Não conseguia viver assim. Morrendo aos poucos.
Tentou perceber os limites. Até onde ir. O que dizer sem comprometer-se. Passava os dias defronte do monitor. Os dedos enclavinhados sobre o teclado suado. Fazia teatros mentais. Juras eternas. Chorava e ria em sequência. Tremia e exaltava-se. Escrevia para logo apagar. Apagava e arrependia-se. Levantava-se mas logo se sentava. Cada toque do telemóvel era o sobressalto. Cada passo na escada era o único. A tortura prolongava-se. Mas como? O que fazer ou dizer?
E como um filme com a bobina presa lá voltava à noite. À chuva.
O outro entrara como se estivesse habituado. Como quem era o dono da casa. Ficara por lá. Na manhã seguinte ainda o carro lá estava, provocadoramente, mesmo em frente à porta do prédio. E nesse dia ela tinha metido baixa. Como tinha doído ver a secretária vazia. Imaginá-la com os longos cabelos negros ao vento da Caparica. Rindo com ele. Abraçada. Contando coisas. Fazendo planos.
E tudo isso sobre os restos dele. Da amizade que se tornara algo mais.
Que faltava? Que era aquilo? Onde ia ele?
Queria dizer-lhe tudo. De chofre. Na cara. Confrontá-la. Queria dizer-lhe que não era justo. Que morria todos os dias um bocadinho pela indiferença expressa dela. Mas no derradeiro instante... sobrava o vazio.
E o negro profundo do mar.
© 2004, Ricardo Loureiro