Ainda hesitou um momento mas de que valia? Afinal fora ele que se decidira a vir falar. Cautelosamente, para não alarmar o outro, pousou a espingarda no chão e deu dois passos atrás.
- Então agora ouve-me. Depois de me teres deixado lá em cima com ela – em traços largos narrou o que se tinha passado desde então. Roberto ouviu-o pacientemente. Quando parou de falar Rafael notou que a porta estava muito mais aberta. Roberto já não estava tão cauteloso.
- Que achas do que te contei?
- Não sei bem... Quero dizer posso garantir-te que não fui eu que tentei entrar no centro. Acho que nem sequer conseguia ir lá dar. Isto para mim ainda é um bocado labiríntico. Mas também não sei se o raio da cadeira não caiu por si. Se calhar prendeste-a mal. É que não estou a ver que mais possa fazer sentido. Ou achas que um dos infectados conseguiu entrar cá dentro? Eu acho que depois deste tempo todo se conseguissem entrar aqui já o tinham feito. Portanto... que pretendes? Passar o complexo a pente fino?
- Para dizer a verdade... não sei que fazer. Ainda estou meio apardalado com aquilo da Sara.
- Mau... não me vais dar uma lição pois não? Tu bem viste como ela estava. Estou a dizer-te a gaja estava infectada. E andava a esconder isso da gente. Fiz um favor a nós foi o que foi.
- Achas mesmo que sim Roberto? E os outros? Também estavam infectados?
Roberto limitou-se a olhá-lo. Não havia resposta possível pois ambos sabiam que o que se tinha passado nada tinha a ver com a doença. Tinha sido o bom e velho institnto de sobrevivência a ditar as acções deles. Uma mera questão de matemática. Nada mais.
Encolheu os ombros. O momento da desconfiança parecia passado para trás das costas. O que lhes restava agora? Levar a Sara para junto dos outros.
Juntos procuraram plásticos grandes o suficiente para a enrolar. Ataram as pontas e carregaram-na para fora do complexo. Fizera-se noite e a multidão, como habitualmente, agitava-se mais. Alguns pareciam que se iam embora. Outros pareciam que chegavam. Nunca se tinham demorado a observá-los com muita atenção. Ainda ninguém sabia como se propagava o vírus pelo que convinha não arriscar alguma exposição. O certo é que quando o dia despontava eles continuavam junto à cerca, imóveis e ameaçadores. Um lembrete vivo da pandemia que absorvera o mundo. Curiosamente nenhum deles parecia sucumbir à doença. O que não deixava de ser estranho. Mas nos últimos tempos as estranhezas acumulavam-se demais no quotidiano deles para andarem a tomar nota a todos os pormenores.