A minha África é a África da voz de vó Joana.
Ela sentava-se na cama alta, para onde eu tinha de trepar à força de braços e barriga. Pequena e forte; rosto redondo, rugas muitas; olhos chorosos de uma cor indefinida, leitosa, às vezes aumentados pelas lentes grossas dos óculos; cabelos brancos e cor de marfim; mãos inchadas e nodosas - e a voz.
Uma voz que me pegava pela mão e me levava para lá do mar. E na voz da minha vó eu percorria ruas cheias de árvores e as árvores são todas amoreiras a que o meu irmão subia para descer mais tarde com a camisa branca tinta do sangue da fruta. Na voz da minha vó havia os morangos ainda verdes que a garota da casa ao lado vinha roubar ao quintal, havia mangas e papaias e tomateiros a crescerem de mote próprio, havia o cheiro dos pinhais da Namacha, as águas e os peixes do Maputo e do mar. E havia gentes e bichos e mato. E um céu que mal cabia nas palavras. Um dia a mente da minha vó seguiu também a sua voz e a África veio toda para o quarto dela.
A minha vó já partiu há muito para uma outra África qualquer. Ficaram-me uns óculos grossos no fundo de uma gaveta e uma mania de contar histórias. E esse quarto, que já foi África, é agora a sala onde escrevo.
E de vez em quando, quando a escrita me leva pelas horas quietas do dia, quase juro sentir um cheiro a mar e a pinho e a fruta madura, num céu onde existem todas as palavras.