- Pedro ?
- Sim, mãe...
A voz da minha mãe subitamente envelhecida. O sotaque portuense mais marcado como sempre que está muito cansada ou triste.
Não precisou de dizer mais nada. A espada paira sobre a nossa cabeça há tempo suficiente para que não me restassem dúvidas. A voz da minha mãe num sussurro de fio de água.
- O pai...
- Sim, mãe, eu sei.
Um desejo imenso de estar ao pé dela e de a poder abraçar. De poder soltar as lágrimas e mistura-las com as dela, para que um único rio de dor, unido, desaguasse sobre o corpo inerte do meu pai. Penso em correr para ela, sei que é isso que tenho de fazer. Mas o corpo rasga-se em dor e saudade, os olhos tolhem-se de maresia e as pernas não obedecem.
Como suportar a dor da sua ausência. Como explicar ao coração que tem de continuar a bater, aos pulmões para respirarem se nada mais faz sentido. Não consigo carregar a falta que ele me faz. As suas palavras certeiras. A brutalidade com que expunha as suas opiniões e a doçura com que defendia quem amava.
A puta da minha consciência diz que eu tenho de ser forte, que há quem precise de mim. Mas há dores que eu não fui talhado para suportar. Principalmente sem esperança. O meu pai sempre me disse, é pela força com que se luta por algo que se demonstra o quanto se quer essa mesma coisa.
E agora pai? Como posso eu lutar por ti?
A solidão cai sobre mim como um manto negro e o estômago contorce-se de azia. As pernas trémulas arrastam-me até ao computador para que ponha em palavras o que sinto e desta forma possa começar a expurgar a raiva e a tristeza que me assolam os pensamentos.
Mas ainda é muito cedo para escrever. A carne ainda sangra e as palavras não conseguem sair com a eloquência necessária.
É então que me sento aqui e começo a escrever um outro texto, onde possa falar da falta, da dor e da forma como a mesma me massacra o corpo.
Naquele dia, como em nenhum outro ele sentiu a falta que lhe fazia a ausência dela. Deambulou pela casa com as mãos nos bolsos em busca da ilusão de outras mãos. Pôs-se frente ao espelho e abriu a camisa, para seu grande espanto não se via a cicatriz em carne viva que ele sentia...