Tic tac tic tac tic tac. E a porra do relógio que teima em fazer avançar o tempo e a manter-me no mesmo lugar, absorto, num sítio só meu em que as paredes parecem reverberar com este som fatidicamente monótono.
Tic tac tic tac tic tac. Continua o silêncio a abraçar este estúpido relógio de parede que nem sei quem comprou, mas que o fez certamente com o propósito de me enlouquecer. Os ponteiros parecem dois maluquinhos a correr um atrás do outro mas que depois de se apanharem não param, uma e outra vez.
Tic tac tic tac tic tac. E o que dizer deste pêndulo maquiavélico que se assemelha tanto a uma guilhotina que mais cedo ou mais tarde se vai soltar da caixa e cortar-me a vida em dois bocados inertes de nada?
Tic tac tic tac tic tac. A espera, sempre a espera de que algo mude, que algo se avolume á minha frente, um vulto, uma mulher, a minha mulher. A mulher que vai parar o tempo, que vai fazer cada minuto valer uma hora, que vai fazer a minha vida parecer um sonho de eternidade.
Tic tac tic tac tic tac. Estou a começar a sentir o sangue ferver-me nas retinas, pisco os olhos de quando em vez só para humeder as lentes o suficiente para continuar a fixar este aparelho-bobo. Como se de olhar para ele ganhasse subitamente o poder de parar o mundo e as vozes humilhantes que nele habitam.
Tic tac tic tac tic tac. Parece que por fim o tempo começa a parar, o ponteiro dos minutos avança mais lento do que o habitual, como um cavalo a quem cortaram o pescoço com uma faca romba e que se esvai em sangue manchando a pista de corridas.
Tic… tac… tic… tac… (silêncio). Finalmente o tempo parou. Finalmente posso sair cá para fora e mostrar-me a um mundo inerte e silencioso.
Tic… tac (silêncio definitivo). Definitivo? E não é que alguém se esqueceu de dar corda á merda do relógio? O mundo continua a girar, jocoso. As pessoas continuam a sair de casa para partilharem connosco as coisas que não queremos ouvir. O meu corpo continua incapaz de acompanhar a minha mente nas minhas deambulações noctívagas em que olho a tua janela, da tua casa, da tua vida, com a tua família, e oiço risos divertidos, risos de quem é feliz, os risos que desaprendi a dar.