Postby Ripley » 11 Apr 2010 06:16
Doem-me os pés!
Detesto os jantares de gala da primeira noite... temos todos que estar impecavelmente vestidos e com um sorriso agrafado na cara enquanto os passageiros olham uns para os outros com ar desconfiado, curioso ou predador. Até nem costumo importar-me de andar de saltos altos durante umas horas, mas esta bolha aqui... raios, onde está o alfinete? Ah, caíste! Pronto, agora o álcool. Bolas!!!!! Deixei-o no armário! Ai... Ai... Aiiii, raio da bolha! Estúpida, estúpida, porque é que quis causar boa impressão no novo comandante e calcei os sapatos novos?
Sshhh... pronto, já a furei. Agora o penso? Caiu também. Irra, nada corre bem esta noite!
Este cruzeiro está cheio de mulheres, velhos e tipos de aspecto esquisito. O comandante fez-me sinal para ir dançar com Lord Iverson e o pobre velhote esforçou-se por não me pisar mas não conseguiu. [suspiro] Perdoei-lhe a pisadela mas não o tom com que ele falava comigo, como se eu fosse o tal James, o assistente dele! Estou curiosa de saber quem é esse, já que o velho não parou de falar do James, e de como não conseguia passar sem o James, que era uma pérola entre os criados e mais não sei o quê. E ainda por cima detesto essa palavra, criados. O coitado deve ser mas é um escravo. Aproveitei a indirecta do inglês sobre a drink que lhe apetecia (aposto que é a deixa que dá ao assistente para a ir buscar!) e escapuli-me. Com a desculpa das dores nos pés e de ter que vir ao camarote, pedi ao novo empregado da piscina para levar a bebida ao velho.
É um tipo estranho, o Korda. Parece que olha sempre de lado para as pessoas. Mas concordou logo e isso foi um alívio.
Deixa cá ver então. Bloco de notas. Caneta. Caneta? Querem ver que também caiu? Oh, raios me partam. Onde é que foi parar? Aaaaaaahhh!!!!!
PORCARIA DOS SAPATOS!!!!! Pus-me de gatas para procurar a caneta e o joelho assentou em cima do salto! Boa, uma ferida! Primeiro dia e já estou pronta para dar entrada na enfermaria! Ooooooh raios, raios, raios! Sujei o vestido com sangue! Será que o chinesito da lavandaria consegue tirar a mancha? Vou usar um lenço para limpar o joelho.
Acabou-se, vou mas é vestir o pijama. E sento-me no chão, já que parece que hoje tudo me cai das mãos. O alfinete, a caneta... e na recepção dos convidados ao salão deixei cair a folha de distribuição de lugares. Valeu-me o rapazito borbulhento que ia a entrar com um ar perfeitamente desconsolado. Coitado, deve ter vindo contra vontade. Tenho que ver se arranjo alguma coisa que o entretenha, já que o resto dos passageiros é capaz de preferir entretenimento mais sossegado.
Ora bem. Lista dos passageiros. Miguel Pinto... será o velhote da bengala? Brr, espero que não, esse quase me comia com os olhos. Ou o outro com aqueles tiques todos que se vê logo que é panilas? Mas porque é que não puseram as idades dos passageiros nesta bodega como das outras vezes? A Teresa lá do escritório deve estar de férias, é o que é. Julieta... ah, deve ser a velhota que piscava o olho ao Korda cada vez que o via! Maria da Assunção Telles Rap... pronto, é a nova-rica! Mas que rica colecção! O que vou eu inventar para esta gente?
O melhor é eu dar um salto à lavandaria agora. Ainda bem que o pijama parece um fato de treino... e espero não encontrar o comandante! Era capaz de ficar a pensar no que raio andei eu a fazer para passarinhar pelo convés com um vestido e um lenço sujos de sangue na mão a esta hora.
Na volta passo pelo bar. Preciso de uma bebida!
"És a metade que me é tudo." [Pedro Chagas Freitas]
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"O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende." [Miguel Esteves Cardoso]