Abriste esses dois olhos cor de azeitona e o meu mundo ruiu.
As paredes da indiferença que protegem a minha alma da dor e do medo da solidão desmoronaram como castelos de areia fustigados por um mar invernoso.
Esses teus dedos perfeitos aninhados dentro dessa incubadora parecem apertar-me com força suficiente para expulsarem de mim um último suspiro, um arquejo forçado. A angústia de perder-te sem ainda te ter tido obriga-me a reviver todas as vezes em que fui infeliz, todas as mágoas, as desilusões, os sonhos pisados por outros, as ruas vazias do meu passado.
Os beeps intermitentes do equipamento médico que povoa esta sala esterilizada embalam-me, submergem-me contra a minha vontade neste terror de não conseguir evitar nada, de não poder ser eu a lutar por ti, pelo teu futuro, pelas brincadeiras que ainda não fizeste, pelas lágrimas que ainda nem choraste nem pelos sorriso que ainda não deste.
O meu coração suspende batimentos como se tentasse bater por ti apenas, os meus pulmões recusam-se a diminuir esta sofreguidão de oxigénio como se pudessem respirar pelos teus tão pequeninos ainda para esta tarefa tão árdua.
Espero que um dia me perdoes por não ter conseguido ser tão forte quanto tu, que perdoes estas lágrimas que ninguém vê e que me mancham a bata, me amargam na boca e me secam a voz.
Amo-te tanto que nem sei o que fazer. Sinto-me manietado pela Vida, amordaçado pela Amargura que me obriga a engolir todos os palavrões que me apetece dizer para expulsar esta impotência que me inunda as veias como um veneno quente, pulsante.
Os meus dedos repousam inertes, petrificados nesse teu casulo de plástico estéril como se pudesse manter-te a salvo de tudo o que te assola.
O dia está a acabar e eu só tenho forças para pedir que mais dias venham para ti, que seja este apenas o primeiro dia da tua vida. Sou um pai de coração rasgado de tanta felicidade e medo. Sou um pai.
Lisboa, 2011
Jorge O.